sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O prazer da continuidade


|ESPECIAL

A cobertura deliciosa e incrementada do BulaMais na III Mostra de Cinema Brasileiro do Centro Cultural Sesi todinha pra você.
Não deixe de conferir nossos textos especiais sobre a Mostra!


Isaac Moraes

A III Mostra de Cinema Brasileiro continua com a vela levantada e de vento em popa, a navegar como jangada solitária, à deriva, nas tediosas tardes e noites da nossa Maceió. E no sábado, dia 28 de novembro, à noite, o evento quebrou braço com boates e festinhas, recrutando um número considerável de espectadores. Nós aqui do BulaMais vamos divulgando aos pouquinhos, dentro das nossas possibilidades; afinal, nem só de pipoca, telão e refrigerante vive o homem.

Moscou, de Eduardo Coutinho, talvez tenha sido uma escolha bastante pesada para abrir uma noite de sábado cheia de promessas. O documentário registra a preparação em apenas três semanas da peça As Três Irmãs, do russo Anton Tchekov. O método utilizado é o sistema Stanislavski de teatro, que tem como essência mesclar vida real e personagem. Durante todo processo, os atores misturam situações e exercícios teatrais, passagens de falas e depoimentos pessoais. 

Para quem acompanha o processo do lado oposto da tela, a sensação de perda da detenção do fio da meada assusta. No entanto, é também fascinante perceber as possibilidades que existem no universo do teatro, e que essa arte milenar se torna cada vez mais agregadora de técnicas e se moderniza, sobrevivendo num mundo cheio de coisas novas.

Outra faceta da dobradinha vida real-ficção aparece no filme Se Nada Mais Der Certo, de José Eduardo Belmonte, que fez o favor de perder o voo e só aparecer no domingo. Em seu lugar, a atriz Caroline Abras fez as honras do filme e deu a cara à tapa para a pequena, mas interessada, platéia.

O filme trata de seres humanos com a vida no limite, no auge da negatividade, desconstruindo à força suas concepções de vida politicamente corretas para viver o outro lado, erroneamente chamado pela atriz e pelo senso comum de submundo. Não há submundo, há o mundo nu e cru, diante dos nossos olhos fechados. A promissora atriz falou tudo quando se justificou, dizendo ter nascido “na classe média alta”, sendo interessante e desafiador, portanto, interpretar um “tipo peculiar”.

Na tarde da quarta-feira, 02 de dezembro,  deu pra perceber que Caetano Veloso se desfez da armadura e aura de orixá da Tropicália, que ajudou público e crítica a construir, quando deixou que Fernando Grostein filmasse em 2006 a turnê do disco A Foreign Sound, que passou por São Paulo, EUA e Japão. Caetano por Caetano, no clima intimista do documentário Coração Vagabundo, fazendo piada, contando histórias e passeando por lugares inusitados. Mesmo com tudo que já foi falado a seu respeito, o artista baiano consegue dar as melhores respostas e contar histórias interessantes, principalmente quando se entusiasma, ainda, com as coisas.

Atenção especial para a indicação de dois filmes de Antonioni, La Ventura e Passageiro Profissão Repórter e para a cena em que um monge budista, de um templo japonês de 500 anos (“a idade do Brasil”, como lembra Caetano), diz gostar muito e afirma escutar sempre a música “Coração Vagabundo”.



Ainda Orangotangos, filme de Gustavo Spolidoro, deixa evidente a linha tênue que separa a normalidade da loucura, o humano do animalesco, a futilidade da profundidade e outras antíteses que equilibram as nossas vidas sem que nos demos conta. Os homens andam na corda bamba da sofisticação e do primitivismo, sendo no final das contas a espécie de macaco mais feroz. A vida de todos sempre está, de alguma forma, entrelaçada.

Logo após, foi exibido Filmefobia, de Kiko Goifman, que mostra a saga do diretor de um documentário fictício que utiliza como matéria-prima o medo das pessoas, fazendo-as confrontar-se com suas fobias, levantando a discussão da relação entre ética e arte, em busca da compreensão da natureza real do pânico.

Há uma questão pertinente levantada: é interesse estético ou fascinação pelo sadismo puro? As imagens e os relatos são fortes, e Kiko foi perspicaz em imaginar toda a história, em mais um jogo entre o que é e o que não é verdade. Como se rodasse as imagens da produção de um projeto fracassado. Jean-Claude Bernardet é o diretor-personagem do filme; sua frase fica grudada na mente: “a única imagem verdadeira é a de um fóbico diante da sua fobia”.

A noite terminou com um jogo de temporalidade presente no filme No Meu Lugar, de Eduardo Valente. As cenas de passado e presente se sobrepõem, confundem-se até chegar ao desfecho final, já conhecido pelos espectadores. Início e fim são os mesmos, ligados por explicações que, no fim, parecem banais diante do ocorrido.



Hoje é o último dia de exibição. Traremos um texto póstumo sobre o evento, para deixar os nossos leitores e cinéfilos maceioences esperando, com água na boca, pela próxima Mostra. Até breve!

0 comentários:

Postar um comentário