quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Simbioses político-ambientais para exterminar as crises



Anderson Santos

- Viu ontem? Mais um protesto do Greenpeace contra a pesca das baleias. Só fazem aquilo para aparecer. O que precisamos é de uma transformação ambiental que vá à raiz dos problemas – disse o primeiro, vestido de vermelho.

- E ainda temos a crise econômica. Isso é o que dá alimentar um sistema econômico que utiliza o ambiente sem pensar na sua conservação. Acho até que nem precisa “revolucionar”, basta que se erga uma recuperação econômica baseada no desenvolvimento sustentável e no maior controle estatal – disse o segundo, vestido de verde.

- É... Pode até ser, mas acho que o problema é que crescemos demais. Já está na hora das economias mundiais desenvolvidas pararem. Ao menos, os subdesenvolvidos podem chegar ao desenvolvimento de forma sustentável, tanto econômica quanto ambientalmente falando – disse o terceiro, vestido com uma camisa dessas modernas.

Essa até que poderia ser uma conversa de bar, afinal de contas, a discussão sobre os problemas causados pela degradação ambiental a cada ano que passa se torna uma pauta mais frequente no cotidiano mundial.

Com a crise econômica iniciada no país-base do capitalismo, os Estados Unidos, muitos passaram a perceber que algo andava errado e alguns passaram a acreditar que o início da solução para todos os problemas poderia estar no meio ambiente. E é sobre três dessas “sugestões”, exemplificadas pelos personagens do diálogo inicial, que trataremos aqui.

GREEN NEW DEAL

Reunindo-se desde 2007, quando começou a crise imobiliária estadunidense, o Green New Deal Group traz a sua proposta já no nome. Baseado no “corajoso programa de Franklin D. Roosevelt” após a Grande Crise de 1929, os associados traçam uma reflexão sobre a extensão dos perigos da tripla crise: econômica, energética e ambiental.

O grupo é formado por nove pessoas e entre representantes de ONG's ambientais (como o Greenpeace), estão um jornalista (Larry Eliot, editor de economia do periódico The Guardian) e o diretor-político das NEF (Novas Fundações Econômicas, sigla em inglês), às quais é dedicada a ideia.

Em julho de 2008, eles divulgaram o primeiro relatório com a análise da situação atual e suas propostas para “revitalizar” o mundo, intitulado A Green New Deal. “Nós chamamos nosso programa de Green New Deal (GND) – algo que combina estabilização em sentido estrito com um longo tempo de reestruturação das finanças, taxação e sistemas energéticos”.

Esta proposta é alicerçada em duas coisas. Primeiro, a transformação estrutural da regulação dos sistemas de finanças nacional e internacional, com maiores mudanças nos sistemas de taxação. E, em segundo lugar, um programa sustentável que invista no desenvolvimento da conservação energética e no desenvolvimento de energias renováveis, “acoplada com a efetiva demanda do mercado”.

Isto através de “uma aliança entre o movimento trabalhista e o movimento verde, entre aqueles engajados na manufatura e o setor público, entre sociedade civil e academia, indústria e todos que trabalham produtivamente nos serviços industriais”.

Segundo o professor Dr. José Eli da Veiga, do departamento de Economia da USP (em artigo publicado em maio de 2009 na revista Página 22, da Fundação Getúlio Vargas), “para que um New Deal pudesse ser realmente verde, seria necessária uma macroeconomia para sustentabilidade, que, além de reconhecer que existem sérios limites naturais à expansão das atividades econômicas, rompesse com a lógica social do consumismo”.

Para Veiga, era necessário um GND que “gerasse forte redistribuição geopolítica da oferta e da demanda globais, conforme os países mais avançados buscassem os caminhos de uma planejada prosperidade sem crescimento, única possibilidade de que suas economias venham a ser ambientalmente sustentáveis”.

STEADY-STATE

É com base na “prosperidade sem crescimento”, apontada pelo professor da USP, que apresentamos o steady-state (SSE). Em entrevista para a Página 22 de julho, o economista ecológico australiano Philip Lawn explicou que esse projeto se baseia na regulação do consumo e da liberação de resíduos no meio ambiente e, principalmente, na busca de uma melhor qualidade ao longo do tempo.

Assim, a “estabilização” dos Estados desenvolvidos, de forma a pararem de crescer, deveria ocorrer logo, permitindo às nações pobres “crescer ecologicamente”, o que, segundo ele, é mais difícil porque estes países não têm todas as opções naturais para se desenvolverem.

“[Uma economia em steady-state] é basicamente uma economia que não cresce, mas não quer dizer que estagna ou definha. Nela, bens e serviços são consumidos, o capital se desgasta e precisa ser substituído. A SSE busca a melhora qualitativa desse estoque [de riqueza] ao longo do tempo – a mesma quantidade de riqueza, mas de mais qualidade. E, se o estoque de riqueza melhora, melhora nosso bem-estar”, afirma Lawn.

Uma das principais atividades para isso é adotar esquemas de cap-and-trade para todos os recursos e resíduos. Este mecanismo funciona da seguinte forma: o cap determina o limite e o trade permite que as pessoas negociem o acesso aos recursos e aos sistemas que assimilam resíduos, especialmente aqueles que por conta própria não conseguem chegar aos limites.

Philip Lawn acrescenta a necessidade de “reformular o capitalismo para que beneficie a sociedade e os indivíduos”. Para ele, “o capitalismo não é o problema”, mas “temos que buscar uma forma diferente, que reconheça a importância da sociedade e dos indivíduos, não somente a economia”.

Para o economista ecológico, a escolha por uma transição suave para a SSE agora é extremamente necessária, “ou seja, a escolha é adotar a SSE por desenho ou por desastre”.

ECOSSOCIALISMO

Porém, há quem discorde das propostas anteriores por um motivo bem simples: tais mudanças precisariam exigir do capitalismo algo que ele não pode fazer. Existe o risco de que o sistema se aproprie da ideia de sustentabilidade de acordo com os interesses dominantes e “re-empacote-a” como mais uma de suas mercadorias.

Como uma alternativa para todas essas propostas, os filósofos Joel Kovel e Michael Löwy tiveram a idéia, ainda em 2001, num painel sobre ecologia e socialismo realizado em Vincennes (França), de elaborar um manifesto ecossocialista.

O Manifesto Ecossocialista foi publicado inicialmente como editorial, com 18 subscrições, na revista Capitalism, Nature, Socialism - A Journal of Socialist Ecology em março de 2002. No Brasil, a publicação ocorreu em maio de 2003, subscrito por 47 ambientalistas.

Os motivos para as crises são os mesmos: “Na nossa visão, as crises ecológicas e o colapso social estão profundamente relacionados e deveriam ser vistos como manifestações diferentes das mesmas forças estruturais”.

A diferença é que aqui se entende que o sistema capitalista não poderia regular, e muito menos superar, as crises que deflagrou: “Ele não pode resolver a crise ecológica porque fazê-lo implica em colocar limites ao processo de acumulação, uma opção inaceitável para um sistema baseado na regra ‘cresça ou morra!’”.

Para eles, a sociedade se modificou em relação aos escritos sobre os socialismos anteriores e exige uma nova adequação, que deve se basear na crise ecológica, por isso o nome “ecossocialismo”. “O ecossocialismo insiste em redefinir a trajetória e objetivo da produção socialista em um contexto ecológico. O objetivo é a transformação das necessidades, uma profunda mudança de dimensão qualitativa, não quantitativa”, afirmam os filósofos.

Tal proposta só poderia acontecer numa sociedade em que o consumo - e sua criação de necessidades - não fossem a prioridade. Assim, a proposta do ecossocialismo “se traduz em uma valorização dos valores de uso em detrimento dos valores de troca, um projeto de relevância de longo prazo baseado na atividade econômica imediata”.

CONVERSA

- Vimos a noite inteira a conversa entre aqueles três. Já tinha visto na televisão os problemas ambientais e as conseqüências para o mundo, mas não sabia que havia tanta gente pensando em propostas diferentes. Espero que dê tempo de alguma dar certo e salvar o planeta – disse alguém sentado na mesa ao lado.

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