sexta-feira, 7 de maio de 2010

E se...


Anderson Santos*


"SE aquela bola tivesse entrado!". "SE o juiz não tivesse errado!". "SE o lateral acompanhasse a jogada!". Muitas são as reclamações pós-jogo de eventos cruciais numa partida de futebol que poderiam mudar o resultado até de um torneio. Porém, dentre todos eles, uma possibilidade realizada se destaca.

SE o francês Jules Rimet (1873-1956) não tivesse sido tão obstinado na tentativa de criar um evento tão grandioso, os seus sonhos transformados na realidade atual, é provável que não discutiríamos com tanto afinco a realização de uma partida de futebol, quiçá de uma disputa mundial de tão grande proporção quanto uma Copa do Mundo de futebol.

Nada melhor do que uma "carta" escrita por ele para explicar todas as dificuldades de um processo que permitiu que chegássemos à décima edição de um dos maiores eventos do planeta.
 "Paris, 12 de janeiro de 2010

Olhar hoje o football como esse fenômeno capaz de movimentar tantas pessoas ao redor do globo e, consequentemente, tanto dinheiro é assaz prazeroso, assim como é assustador.

Já foi bastante difícil convencer aos ingleses que o esporte não era exclusivo deles, apesar de terem criado a maioria das regras e de o terem mandado para vários países. Não é à toa que o nome de nossa entidade maior é em duas línguas (Federátion Internacional Football Association). Imagina quando me deu na telha que deveríamos criar um torneio mundial...

A ideia era grandiosa: transformar o football em um fenômeno capaz de juntar em quinze dias jogadores de vários lugares do mundo para descobrir quem joga melhor. Hoje seria fácil, após 80 anos de disputa e com tantas seleções se enfrentando no desejo de disputar uma competição desse porte. Mas foi em 1914 que, enquanto presidente da Fifa, resolvi fazer desse esporte algo realmente internacional.

Quantas tentativas frustradas...

Ah, SE o meu desejo não tivesse vindo num dos piores momentos da humanidade... Aquela guerra no continente europeu acabou com qualquer possibilidade de realização, até mesmo porque nem o meu país teria condições de pensar em atividade física que não fosse a que vislumbrasse a defesa ou a conquista de territórios.

E isso me custou longos anos. Não foi fácil reconstruir os países após a Primeira Guerra. Pelo menos, foi tempo suficiente para que outras regiões do planeta pudessem aprimorar o seu jeter, a sua maneira de jogar. O Brasil mesmo, hoje grande referência com a pelote, ganhou seu primeiro título internacional em 1919.

Os anos passaram, mas eu não conseguia tirar da cabeça que tinha que realizar um torneio mundial de football. Afinal, logo, logo, as Olimpíadas voltaram a ser realizadas e cada vez mais pessoas de vários países do mundo participavam, mesmo após longas viagens de navio.

A ideia continuava. Faltava alguém que quisesse assumir a responsabilidade, um país-sede. Anos após anos e nada de ninguém querer arriscar num primeiro evento deste porte para um esporte específico.

Não sei SE teria conseguido achar alguém caso o Uruguai não montasse aquele timaço na década de 20! Dois títulos olímpicos seguidos no continente dos criadores do futebol fizeram com que o Governo daquele país assumisse a realização de um torneio mundial exclusivo e, ainda mais, que assumisse os custos sozinhos e dividisse os lucros com os demais concorrentes.

É claro que SE 1930 não fosse o ano do centenário da independência do Uruguai - daí o nome de Estádio Centenário - seria bem mais difícil para que eles aceitassem.

O nome do torneio World Cup é também derivado dos ingleses. O Cup deriva do nome do primeiro torneio internacional de seleções da história, surgido em 1872, realizado pelos países que formam a Grã-Bretanha. Assim, a competição seria uma ampliação dessa copa britânica.

Pena que nem os ingleses nem a maioria dos europeus quiseram participar da primeira disputa. SE eles tivessem tido a coragem de França, Bélgica, Iugoslávia e Romênia seria um evento maior ainda. E pensar que desistir de uma Copa do Mundo é quase impensável nos dias de vocês...

A taça era linda! Uma mulher com asas representando a vitória, que recebera o mesmo nome do evento, que demorou três meses para ficar pronta (fevereiro a abril de 1930) - esculpida pelo artesão francês Abel Lefleur, a nossa contribuição para a disputa. Bem mais tempo que o gasto para o Pickles a achar, já enquanto Jules Rimet, na Inglaterra e para alguns brasileiros a derreterem depois.

Treze seleções disputaram a primeira edição das Copas...

Excuse, mas tenho que parar de escrever agora.

Jules Rimet"

* O autor escreve a coluna "E se..." no blog Por Trás do Gol, que já “contou” através de outros SEs realizáveis a história das Copas de 1930, 1934 e 1938.

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