sexta-feira, 19 de março de 2010

O preço de morar na Residência Universitária Alagoana


Salomão Miranda

Água que vem por conta do dinheiro dos impostos.

Podemos nos comparar com o presidente da república, que não gasta com nada, pois precisa se preocupar em governar o país. Assim, precisamos nos ocupar de estudar e produzir pesquisa e extensão. Claro que o presidente tem garantido um salário interessante e não precisa pagar pelo ônibus para ir à faculdade. Aqui, como o campus onde a maioria dos estudantes tem atividades fica muito distante, precisa-se pagar pelo ônibus, que, diga-se de passagem, é caro e péssimo. Mas aqui ninguém vive economicamente confortável. É preciso ralar para conseguir alguma bolsa, que paga míseros R$ 250. Ou encontrar um estágio - que na Gazeta de Alagoas rende R$ 200 mais vale transporte. Uma fortuna! Alguns já são concursados e trabalham em órgãos públicos. Aliás, em Alagoas a burocracia estatal paga muitos salários.

Na sala de TV se reúnem os que vão assistir ao chafariz verborrágico daquele eletrodoméstico. O futebol televisionado gera, aqui, gritos, urros, palavrões, batidas em paredes, bancadas e cadeiras. Já acordei ao ouvir a algazarra. Quem quer vir morar aqui?

Aliás, muita gente gostaria de morar aqui, apesar dos sonos interrompidos, das urinas fora de local e da maconha fumada em alguns quartos. Num país miserável como este verde e amarelo, morar numa casa onde não se paga aluguel, refeição, água e luz é um forte estímulo.

Não sei que diabos de contrato é aquele das cozinheiras. Elas chegam muito cedo na casa, ficam o dia todo aqui. Cozinham para uma centena de pessoas. Não chegam a ganhar UM salário mínimo. Recebem o salário fora do prazo. Por vezes ficam dois, três meses sem ver UM real.

Os corredores abrigam varais repletos de roupas lavadas em vários tanques disponíveis. A similaridade com um cortiço está aí. Um colega da Ufal achava a casa parecida com o Carandiru.

- Onde vocês estendem as roupas?
- Em varais que ficam nos corredores.
- E não fica feio e bagunçado não?
- Fica, mas...

Além da sala de informática, com computadores e internet fornecidos pela universidade, alguns moradores tem computadores no quarto. São quinze computadores conectados ao mundo através da rede. Mas aí tem que pagar ao administrador da rede, ex-morador da casa.

Uma gata chamada Gorda morreu atropelada no ano passado. Era mascote da residência. Morreu atropelada por um carro que passava aos fundos daqui. Morreu perto de casa. Lembro que uma hoje jornalista alimentava Gorda e dava de beber. Eu não suportava aquela gata. Principalmente quando soube que ela enfiava sua boca no mesmo bebedouro de onde retiramos a água de beber.

Mas a casa não é um presente que brotou da terra. É fruto de lutas através das gerações de estudantes que, num dado momento, ousaram ocupar este prédio e exigir que funcionasse como casa de estudante para quem vem do interior. Um vigilante costuma dizer que hoje isso aqui é um hotel cinco estrelas. Vejam como as coisas são relativas. Alguma moça que estude na Fits e more no condomínio Aldebaran irá sentir nojo ao visitar este recinto: “Como alguém pode morar aqui?!”

A vida alheia

Aqui há discussões políticas, filosóficas, científicas, artísticas, etílicas. E há, e muito, gente que não consegue conversar se não da vida pessoal alheia.

(exemplo 1) Sua namorada mora aqui. Você liga e pede para que ela pegue seu almoço. Você chega no quarto da moça, pega o almoço e dirige-se ao seu quarto. Pronto, basta fazer isto por dois dias que alguém vai falar de você:

- Eu acho que eles não estão muito bem no namoro. Ora, ele só chega do estágio, pega o almoço e sobe pra comer sozinho.

Se você almoçar todos os dias no quarto de sua namorada, vão dizer:

- Esse menino incomoda muito. Fica o tempo todo no quarto da namorada atrapalhando as outras moradoras.
Se você nunca aparecer no quarto da namorada, vão dizer:

- Como é que esse menino nunca vai no quarto da namorada? Ôxe, onde já se viu isso?

(exemplo 2) Uma futura psicóloga é introvertida, quieta, “na dela”. Está poupada? Não! Chamam-na de pomba lesa.
(Ah, se essas paredes falassem...).
(exemplo 3) Um rapaz é forte e traz várias garotas para seu quarto. Mas dizem que ele tem um caso com um homem de posses, que auxilia financeiramente o rapaz.
(exemplo 4) Dizem que fulaninho está namorando um marceneiro. Vê-se os dois sempre pelas redondezas.
(exemplo 5)
(exemplo 6)
(exemplo 7)
(exemplo 1458)

Não precisa procurar para ouvir estas fofocas. Elas te procuram. Mas, se você procurar, ganhará o prêmio de maior babaca da casa.
A moral

Uma moça engravidou mas não queria dar de mamar. Abortou. Colocou o feto no lixo defronte à casa. O que você pensa sobre o aborto?
Um rapaz, que já não mora mais por aqui, gritava para quem quisesse e para quem não quisesse ouvir suas habilidades sexuais:
- Eu dou o cu e chupo rola!
Um casal foi pego transando na sala de informática. Depois de algum tempo o rapaz se tornou evangélico.
As conquistas

O aluno mais conhecido como “Pisa Leve” acabou de passar para o Mestrado da USP.


“Chamamé”, que tanto cantou na Penteios de Gato, está prestes a concluir seu mestrado na área agronômica.

Cícero, um dos torcedores de futebol mais chatos do ambiente, e, nas horas vagas, estudante de Física (a Ufal tem um dos melhores cursos de Física do Brasil), acabou de passar no mestrado em Meteorologia.

Thales Pantaleão, tocador de zabumba da Penteios de Gato, hoje estuda no mestrado da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Marcus Mausan, notável estudante de Música (canto), acaba de lançar seu primeiro CD solo: “As aventuras de Jacobel na Terra Vermelha”. Planeja uma viagem ao exterior para divulgar seu trabalho.

Nikael Florentino, de Arquitetura, tirou uma nota alta em seu trabalho final de graduação e foi convidado por seus professores a apresentar o projeto para estudantes e para inscrição num prêmio. Trata-se do projeto de um museu de arte contemporânea em Maceió.

Há poucos anos pagava-se 50 centavos por refeição. Atualmente ninguém paga. O dinheiro que a Universidade recebe já é suficiente.

Uma nova residência será construída no Campus A.C. Simões.

2 comentários:

Nikael Rocha | 16 de setembro de 2010 às 22:43
Este comentário foi removido pelo autor.
Nikael Rocha | 16 de setembro de 2010 às 22:45

Excelente descrição a respeito de alguns dos diversos assuntos que permeiam a vida na RUA.
Parabéns Salomão!

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