segunda-feira, 22 de março de 2010

"Fazer uma poesia é uma coisa muito forte"


Anderson Santos*

No dia 19 de Março, faleceu em Maceió, aos 67 anos de idade, Mário Francisco de Assis, mais conhecido como Mestre Verdelinho. Um exemplar raro da cultura alagoana, Verdelinho era cantador de coco e foi mateu do guerreiro de Joana Gajuru. Após dois acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e com um câncer na bexiga, ele viveu seus últimos dias sobre uma cama, sem ajuda de qualquer entidade governamental.

No final de 2006, acompanhado de seus filhos, Verdelinho apresentou-se para a turma da disciplina “Antropologia Cultural” do 1º ano da habilitação em Jornalismo do curso de Comunicação Social da Ufal. Na sala de Recursos Áudio-Visuais (RAV), ele chamou todo mundo para formar uma roda de coco, deu aula de como se dançar e levantou a poeira do chão do lugar.

Resgatamos a entrevista dada por Verdelinho aos estudantes naquela tarde, como uma homenagem para quem tanto fez pela cultura alagoana. É com o Mestre nascido nas proximidades da Usina Utinga Leão, criado em Coqueiro Seco, analfabeto, mas poeta cantador de coco que o blog da Revista Bula estréia a editoria “Entrevistas”.

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.b – Por que “Verdelinho”?
Mestre Verdelinho – Na minha juventude, em Coqueiro Seco, tinha muito cantador, e todos tinha nome de passarinho. Canário, Rolinha, Curió,... . Eu não ia botar meu nome de urubu (risos), porque ele não canta, né? Foi então que um colega meu disse: “Num tem aquele passarinho miudinho que vive aqui na mata, bote nome de Verdelinho”. Então os vizinhos pegou a chamar e ficou mesmo Verdelinho.

.b – Qual foi sua influência para começar a fazer coco?
MV – A minha mãe, quando era solteira, cantava e dançava com suas colegas lá do Engenho São Francisco, na Viçosa. Naquela época se dançava o pagode nos feriados, sábados do Santária, em véspera de São João para distrair os moradores. O pagode era como uma bomba grande que explodia. e também se dançava nas tapagem de casa de taipa.

.b – Existem várias teses para o surgimento do coco, qual o Mestre defende?
MV – Pra mim o coco surgiu com escravos, por causa que eles sofriam, apanhavam e para distrair faziam festas nas senzalas. Naqueles batuques inventaram o coco.

.b – O que o senhor acha do coco que é dançado hoje?
MV – Estão estilizando, jogando a mulher pra cima, pros lados, isso não é coco. O coco mesmo não aceita tocar com instrumento percusivo, é só, ou com duas peneiras, dois ganzás ou dois pandeiros e o cantador.

.b – E os seus filhos, o que acham do senhor ser cantador?
MV – Acham bom, Nildo e Genilson (caboclinho) me acompanham nas apresentações.

.b – O senhor tem uma profissão, qual?
MV – Eu comecei no pagode aos três anos, com oito já era profissional, desde 1952. Por muito tempo cantei todos os dias, em feiras, casa de fazendeiro, em tapagem de casa, ganhando um trocadinho aqui, outro ali. Mas isso não é vida. Agora estou de licença por um motivo de saúde (cirurgia de hérnia), mas há 24 anos trabalho no Teatro Deodoro, primeiro como ajudante e depois por causa do meu comportamento fui promovido a vigia.

.b – Qual a diferença do coco para a embolada?
MV – No coco possui o desafio, a embolada não desafia.

.b – De onde o senhor tira inspiração para fazer os versos?
MV – Fazer uma poesia é uma coisa muito forte. É como uma santa tão poderosa que no dia e na hora curta ela desce na gente.

* Foto extraída do site Primeira Edição

2 comentários:

Anônimo | 28 de março de 2010 às 19:28

Sem dúvida , é um ícone da cultura alagoana!

Anônimo | 19 de abril de 2010 às 18:53

Esse dia foi marcante. Primeiro ano de curso. Lembro de todos dançando, a poeira levantou geral no RAV. Obrigada por recordar esse momento, Andinho!

Cynthia

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